A prática do(a) assistente técnico(a) em casos de família ainda é pouco usual entre advogados(as) familiaristas. Costuma-se aceitar o procedimento pericial sem fiscalização, perdendo-se a oportunidade de acompanhar o trabalho pericial.
Por isso, é importante ressaltar o papel do(a) assistente técnico(a) junto ao(a) advogado(a) de família, para auxiliar na formulação dos quesitos, para baixar a ansiedade do(a) cliente, para acompanhar o procedimento conforme possibilita o CPC e, sobretudo, ao final, para poder oferecer um parecer sobre a perícia com conhecimento de causa, ressaltando os aspectos positivos e apontando a correção dos aspectos porventura equivocados ou mal interpretados.
Para a prova com baixa fiabilidade epistêmica, tem sido proposto um sistema / critério de controle de qualidade das provas periciais. Episódios de erro e enganos periciais foram detectados a partir do lançamento do Innocence Project, após a publicação do relatório do Conselho Nacional de Pesquisa da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (Strengthening Forensic Science in the United States, 1990). Em consequência, questões metodológicas foram suscitadas perante os tribunais.
A Suprema Corte Americana, em 1993, no julgamento de um famoso caso que envolvia os danos causados a uma gestante por um produto farmacêutico (Bendectin), definiu os cinco (5) critérios para a admissibilidade de uma prova judicial. Desse modo, estabeleceu que o juiz tem discricionariedade para separar a perícia Junk Science da perícia Good Science, inadmitindo aquela. Esses critérios ficaram conhecidos como o Padrão Daubert, considerada a regra de ouro para a admissibilidade de uma prova judicial. Dentre esses critérios está a necessidade de apontar a margem de erro do procedimento e a demonstrar a sua testabilidade, isto é, a sua verificabilidade e a sua falseabilidade (K. Popper).
A adoção dos critérios do Padrão Daubert evita que perícias de baixa qualidade ingressem nos autos, prejudicando o esclarecimento adequado dos fatos ao invés de elucidar as questões psicológicas que o magistrado necessita para o bom julgamento da causa.
Por todas essas razões, a indicação de assistente técnico para auxiliar o trabalho do(a) advogado(a) de família – sempre envolto(a) em casos que possuem conteúdo emocional muito forte (mágoas, rancores, ressentimentos, medos, expectativas, etc.), mas sobretudo para garantir a proteção integral da criança e do adolescente e alcançar um esclarecimento pleno para o(a) julgador(a) – é a forma jurídica e legal para fiscalizar o procedimento de perícia e obter a melhor decisão possível.
Uma das ideias correntes acerca das funções a serem realizadas pelo perito e pelo assistente técnico consiste em sobrevalorizar a perícia oficial em vista da presunção de imparcialidade.
Conforme o magistério de Sousa (2016, p. 16)[1], a presunção de que um perito oficial (do juízo ou nomeado pelo juiz) é mais isento do que o(s) expert(s) da parte (assistentes técnicos) é ilidível e de valor epistemológico discutível. A valoração da prova pericial precisa assentar em critérios mais profundos, científicos e objetiváveis, portanto “mais do que a imparcialidade do perito sobressai a qualidade da perícia, pois um perito, mesmo imparcial, pode cometer erros, ter convicções equivocadas, usar técnicas inadequadas, conduzir erroneamente o procedimento, etc.
A condição de oficialidade do perito por si só não garante a qualidade de uma perícia. Esta se estabelece em parte pela observância estrita dos ditames da cientificidade, mas não só. Mesmo que se considere que a condição ou o lugar do assistente técnico implique uma posição parcial de origem devido à sua seletividade, à sua parcialidade ou à sua imparcialidade de origem não justifica a atribuição de maior ou menor valor probatório à prova pericial (Vásquez, 2012)[2]. Em outras palavras, a assistência técnica apresenta uma parcialidade apriorística ou estrutural, mas isso, por si só, não lhe atribui valor probatório menor. É importante compreender, no âmbito do contraditório, que as partes devem possuir ampla liberdade para escolher de acordo com seu particular entendimento sobre aquilo que consideram melhor para amparar o ponto de vista que lhes é próprio.
Por outro lado, como bem assevera Sousa, na esteira de Abellán[3], a prova científica também tem sido objeto de uma sobrevalorização epistêmica na medida em que os seus resultados tendem a ser considerados infalíveis, o que não se coaduna com a realidade.
De fato, a ciência é passível de falhas, podendo haver erros como em toda e qualquer atividade humana. Mais do que isso, pode-se notar que tem havido também uma sobrevalorização semântica desse tipo de prova, na qual às vezes se atribui um sentido diferente e maior do daquele que ela na realidade possui. Não se deve exigir certeza da prova pericial em geral, e, muito menos, daquela de natureza psicológica, devendo-se questionar amplamente aquelas afirmações periciais que a propuserem (Vásquez, 2021)[4], pois sempre haverá um espaço para o erro enquanto próprio da condição humana.
Na realidade, o assistente técnico tem o importante papel de equilibrar as relações da parte com o perito e com outros assistentes, pois, em se tratando de um especialista de confiança, ele assume a função de garantidor da qualidade técnica da perícia, primando pelo seu adequado transcurso e apontando eventuais equívocos ou distorções realizadas no procedimento para a correta ponderação judicial. Essa garantia da qualidade técnica da perícia funda-se essencialmente na possibilidade do assistente técnico formular observações, objeções e críticas. Tendo em vista que ele age em nome da parte que assiste, não ocupa posição de subalternidade, mas de equilíbrio, uma vez que possui, pelo menos em tese, as mesmas qualificações técnicas do perito.[5]
É de se ressaltar que o assistente técnico está inserido no contexto processual do contraditório e da ampla defesa. Portanto, não está sujeito a impugnações por impedimento ou suspeição (parentesco, por exemplo). Assim, o assistente técnico somente poderá ser afastado de sua atividade por falta de requisitos formais na sua indicação.
É de realçar que o assistente técnico, para cumprir com plenitude o papel de garantidor do equilíbrio da perícia, deve ter acesso a todos os atos do procedimento, não havendo nenhuma razão legal para que se proceda uma quebra dessa homeostase, criando espaços obscuros que fiquem fora dessa área de participação e controle. Como figura garantidora do contraditório, não deve estar sujeito a qualquer tipo de constrangimento procedimental, uma vez que toda limitação será necessariamente refletida em prejuízo do assistido e na diminuição da transparência da conduta pericial. Tanto assim é que o juiz poderá inclusive se valer do parecer do assistente técnico para, se assim entender, refutar a própria perícia, seja no mérito ou nos aspectos formais do procedimento.
Questão bastante controvertida – embora não devesse – é aquela que se refere a uma mera resolução classista poder objetar uma lei. No caso, a Resolução Nº 08/2010, do Conselho Federal de Psicologia, ao declarar:
Art. 2º O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do psicólogo perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado.
Por outro lado, o Código de Processo Civil, no art. 466, prescreve que:
- 2º O peritodeveassegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
Cabe registrar que a regra da resolução não só é anterior ao CPC, como também norma hierarquicamente inferior. Alheia ao processo legislativo. Uma regra que se coloca em contraposição a uma lei federal que, para além de norma procedimental, resguarda direitos e garantias das partes. Não obstante, essa inversão hierárquica e temporal vem encontrando acolhimento por parte alguns juízos que se baseiam na interpretação segundo a qual o CPC se refere à perícia em gênero, enquanto a resolução versa sobre a perícia em espécie.
Um simples olhar para a pirâmide da hierarquia das leis, para não precisar recorrer ao ensinamento de Kelsen, é suficiente para perceber que se trata de valências normativas muito distintas. Essa situação – a bem dizer – não configura nem mesmo uma antinomia no sentido técnico-jurídico, mas uma manifesta ilegalidade. Algo que simplesmente contraia a lei. A solução, no caso, exsurge dos critérios hierárquico e temporal: a lei superior derroga a norma inferior e a lei posterior revoga a regra anterior.
Para além disso, somente se poderá dizer que a produção de uma prova pericial será ética e legal no sentido específico do termo se for um ato participativo, fiscalizável e transparente. Em outras palavras, um ato aberto. Não enclausurado.
Para tanto, os experts também devem ser socráticos: saber que não sabem, porque há uma grande diferença entre aqueles que não sabem que não sabem e aqueles que sabem que não sabem. Estes permitem a crítica, os outros tomam-na como ofensa.
Portanto, a dimensão ética da perícia forense é ser conhecimento aberto no sentido socrático e não uma instrumentação fechada, hermética, encerrada em si mesmo.
Essa concepção configura um paradigma jurídico, mas também filosófico e epistêmico, e deve estar presente em todas as disciplinas da chamada área ‘psi’, que não devem esquecer que, em direito, a forma é uma garantia.
Se, na clínica é o paciente que se expressa ou se incrimina pelas suas falhas conscientes ou inconscientes (lapsus linguae e outros), na área forense é o Estado que detém esse papel. E, nesse momento, o perito faz parte desse mesmo Estado, exercendo funções em nome do Poder Judiciário. Para ser irrepreensível, a perícia terá de ser não só neutra no sentido de equidistante das partes, mas também aberta, afastada de qualquer escuridão ou magia, sem fantasmas. Aberta à visibilidade processual que somente se alcança através do exercício pleno da ampla defesa e do contraditório.
Deve-se considerar que a subjetividade é própria da clínica, mas completamente estranha ao direito processual no sentido de que este cada vez mais se aproxima da cientificidade e, portanto, da objetividade.
Nesse aspecto, pode-se afirmar que a clínica é autônoma, enquanto a psicologia forense é heterônoma. Na clínica, a discursividade é interior e subjetiva, provém do mundo interno do sujeito. Porém, na área forense, a imputação vem de fora para dentro da pessoa. Por isso, a prova psíquica deve estar aberta para o exercício pleno da outra parte. Para isso, deve ser pautada objetivamente e fundamentada em sua metodologia e em suas conclusões. Só é prova aquilo que admite contraprova.
Tais aspectos configuram uma garantia de ordem pública, pois a perícia é sempre um meio de prova, e qualquer prova, seja policial ou judicial, pré-processual ou processual, civil ou criminal, está sujeita a uma contraprova. É inerente à prova a possibilidade ontológica de ser contestada. Se a prova não for passível de uma contraprova, não será propriamente uma prova, mas um dogma, algo que não pode ser discutido.
Ademais, a regra da possibilidade de contraprova vale desde o início de sua produção e não apenas para o final, quando o ato já estiver consumado. Ao fim, não se sabe mais o que aconteceu antes e o que determinou a conclusão de um procedimento pericial que se processou de maneira oculta.
Se, na prática clínica, a subjetividade se constrói com o outro, no campo forense essa construção não pode prescindir da forma, pois, nesse caso, a forma é uma garantia do sujeito frente ao poder externo da lei. Na seara da psicologia forense, a subjetividade não se estabelece entre indivíduos ou particulares, nem no campo do desejo, mas em torno do público, no qual a regra é a ética da transparência em todos os atos, desde o começo até o fim. Por tanto, a relação (subjetividade) em matéria pericial não é uma construção qualquer, mas uma construção com o outro perante a lei. Eis aí a diferença. É uma relação pautada pela força da lei que prevalece, tanto para o perito, quanto para o periciado. Uma construção mediada pela lei, onde a forma é sempre garantia.
[1] SOUSA, Filipe Pires de. A valoração da prova pericial. Revista Portuguesa de Dano Moral. Nº 27, p. 11-24, 2016.
[2] VÁSQUEZ, Carmen. Valoração racional da prova. Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 366.
[3] ABELLÁN, Gascoón Marina. Prueba Científica . Un Mapa de Retos”. In: VÁSQUEZ, Carmen (ed.). Estándares de Prueba y Prueba Científica. Marcial Pons: Madrid, 2013, pp. 181-187, citado por SOUSA, Filipe Pires.
[4] Idem.
[5] PIMENTEL, António Lourenço Gomes. O papel da perícia na descoberta da verdade e como garante de um processo equitativo. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2012.
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